O desejo de fazer um tratamento para ter o chamado bumbum brasileiro chegou a Portugal. Aproveitando o surgimento de um mercado novo, brasileiros sem habilitações médicas específicas e reconhecidas no país fazem este e outros procedimentos estéticos com produtos irregulares e em locais clandestinos. A denúncia é de um grupo de médicas brasileiras.
Dermatologistas brasileiras no país denunciaram as irregularidades à Direção Geral da da Saúde (DGS) e à Ordem dos Médicos. A Autoridade de Segurança Alimentar e Econômica (Asae) tem intensificado o combate à “usurpação de funções de atos médicos”.
A dermatologista Ellene Papazis é pós-graduada pelo Instituto Prof. Rubem David Azulay no Brasil e mestre pela Faculdade de Medicina de Lisboa. Tem habilitações reconhecidas em Portugal para exercer a especialidade de dermatologia, que garante a prática da medicina estética. E é uma das denunciantes.
— Além de defender a profissão de médico, faz parte do Código Deontológico denunciar algo errado, uma prática ruim. Se não tomarmos providências, contribuiremos para um ato maléfico para o doente — explicou Ellene, inscrita na Ordem de Portugal (nº 73387).
Ela e o grupo de dermatologistas brasileiras relatam casos classificados de “bizarros” e que acabariam nas emergências dos hospitais públicos e de clínicas, onde Ellene fez plantões.
— O Brasil tem apelo estético e existem “influencers” do bumbum brasileiro em Portugal. Uma paciente foi injetada com produtos inadequados e técnica errada. Desenvolveu processo inflamatório, febre, edema e dificuldade para sentar. Ela nem sabia que tipo de medicamento foi aplicado em seus glúteos — disse Ellene.
A médica brasileira alerta que há quem se venda como especialista brasileiro na técnica de levantar bumbum com injeções de suposto ácido hialurônico. Usaria, na verdade, produtos não autorizados pela Infarmed, a Autoridade Nacional do Medicamento e produtos de Saúde.
— Há frequência de casos bizarros decorrentes do aumento de volume e no protocolo do bumbum brasileiro com injetáveis que nem sequer são reconhecidos pela Infarmed e devem ter sido trazidos do Brasil. Ou seja, envio de produtos ilegais.
Segundo ela, além dos brasileiros, espanhóis e franceses atuam em Portugal mesmo sem ter as competências técnicas e reconhecimentos (revalidações) para a prática da medicina estética. Portugueses que não são médicos também fariam o procedimento de maneira irregular.
Ellene fez um dossiê digital com fotos, propagandas, conversas no WhatsApp, preços promocionais e promessas de procedimentos. Muitos deles, segundo ela, realizados em locais sem qualificação médica, como alertou a Asae. Seriam barbeiros, salões de beleza, hotéis e até fundos de lojas comerciais diversas em ruas movimentadas.
— Contraem infecções em locais que não são habilitados pela entidade de saúde e sem preparo para responder às emergências. E, se acontecer algo, o seguro não cobre porque está fora da lei — disse Ellene.
Os preços propostos por uma pessoa, sem licença portuguesa ou inscrição na Ordem, segundo Ellene, seriam os seguintes:
Toxina botulínica de € 239 (R$ 1,5 mil) por € 189 (R$ 1,2 mil)
Ácido hialurônico de € 230 (R$ 1,4 mil) por €150 (R$ 955)
Bioestimuladores de € 450 (R$ 2,8 mil) por € 400 (R$ 2,5 mil)
4 fios tensores de € 400 (R$ 2,5 mil) por €199 (R$ 1,2 mil)
Outra prática bastante comum, de acordo com Ellene, é a inserção de fios extensores na face. Ilustra, segundo Ellene, o nível de clandestinidade em Portugal.
— Uma paciente fez o procedimento com um podologista. Alguém que cuida das unhas dos pés pode passar fios no rosto? Infeccionou e abriu um abscesso — disse ela.
Como a demanda explodiu, brasileiros de fora da medicina estética desembarcaram em Portugal para oferecer cursos aos compatriotas e demais interessados, afirma Ellene.
— Vêm para dar cursos, sem processos de equivalência de diplomas, sem especialidade na área e sem inscrição na Ordem de Portugal. Há “colegas” vendendo cursos para brasileiros dizendo que basta a cidadania para trabalhar em Portugal, o que não é verdade. Com a desinformação que circula nas redes sociais, qualquer um coloca na biografia do Instagram que é doutor — criticou a dermatologista.
Um dos casos no dossiê de Ellene é o de uma mulher do Brasil que foi a Portugal ministrar cursos de medicamentos injetáveis. segundo Ellene, aconteceu em clínica sem autorização, onde pacientes teriam recebido aplicação de toxinas para harmonização facial.
— Não era comum em Portugal e começou a aumentar há pouco tempo. Estamos denunciando à DGS, Ordem e Colégios de Especialidades estas intrusões na profissão — garantiu.
Com especialidade em oncologia cutânea pelo Instituto Nacional do Câncer (INCA), Ellene identificou riscos para pacientes com câncer nestes procedimentos estéticos irregulares.
— Estão injetando no couro cabeludo para tratamentos e transplantes de cabelo sem saber histórico oncológico. O doente pode piorar — alerta.
Em junho de 2023, a Asae havia aberto 90 investigações criminais e apreendido equipamentos médicos. No comunicado divulgado à época, informou:
“A administração de toxina botulínica (vulgo botox) ou de ácido hialurônico, bem como a aplicação de outros procedimentos com recurso a técnicas invasivas, tais como os fios tensores para fins de harmonização facial, é exclusiva dos profissionais da medicina, estando vedada a pessoas sem esta habilitação legal”.
A nota continua: “A Asae tem realizado diversas ações junto dos estabelecimentos onde se realizam procedimentos médicos por pessoas sem qualquer qualificação para tal (…) por se tratar de uma atividade muito lucrativa, alguns dos investigados insistem na prática deste crime”.
O Portugal Giro solicitou à Asae uma atualização do balanço, mas não teve resposta até o fechamento deste texto.
Como prevenção antes de qualquer tratamento, é recomendável pesquisar se o local está licenciado e se o médico possui inscrição na Ordem de Portugal.
Fonte: O Globo
