O Supremo Tribunal Federal (STF) encontra-se, mais uma vez, no centro de um embate político-jurídico que expõe as tensões entre os poderes da República. A recente decisão da Primeira Turma do STF de incluir o deputado federal Alexandre Ramagem (PL-RJ) como réu em uma ação penal por suposta tentativa de golpe de Estado, ao lado do ex-presidente Jair Bolsonaro e outros aliados, abriu uma brecha que o Partido Liberal (PL) não hesitou em explorar. Com base no Artigo 53 da Constituição Federal, o PL protocolou um pedido de sustação da ação penal na Câmara dos Deputados, uma jogada que pode paralisar o processo não apenas contra Ramagem, mas também contra todos os corréus, incluindo Bolsonaro. O que parecia ser uma estratégia sólida do STF para avançar nas investigações pode agora se transformar em um revés significativo, levantando a questão: será que o tribunal subestimou o poder das prerrogativas parlamentares?
O Artigo 53 da Constituição estabelece que a Câmara pode, por iniciativa de um partido e com o voto da maioria absoluta de seus membros (257 votos), sustar o andamento de uma ação penal contra um deputado em exercício do mandato, desde que os crimes imputados tenham ocorrido após a diplomação. O pedido do PL, protocolado em 1º de abril de 2025, fundamenta-se exatamente nessa prerrogativa, argumentando que Ramagem, como parlamentar ativo, tem direito a essa proteção enquanto estiver no cargo. A Câmara tem até 45 dias para deliberar, e, caso o pedido seja aprovado, a ação ficará suspensa até o fim do mandato de Ramagem, em 31 de dezembro de 2026. Como o processo penal é único e envolve corréus, a suspensão afetaria também Bolsonaro e os demais acusados, adiando qualquer desfecho judicial por pelo menos mais um ano e meio.
A manobra do PL é, sem dúvida, um golpe de mestre no tabuleiro político. O partido de Bolsonaro, liderado na Câmara por Sóstenes Cavalcante, não apenas busca proteger Ramagem, mas também garantir um respiro ao ex-presidente, que enfrenta a possibilidade de uma condenação severa. A denúncia da Procuradoria-Geral da República (PGR), aceita pelo STF, acusa Ramagem de ter usado sua posição como ex-diretor da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) para articular ações que visavam descredibilizar o sistema eleitoral e apoiar um suposto plano golpista. A inclusão de um deputado em exercício na mesma ação que Bolsonaro, no entanto, parece ter sido um cálculo arriscado por parte do STF — ou, talvez, uma falha de previsão que agora coloca o tribunal em xeque.
É difícil acreditar que o STF, sob a relatoria do ministro Alexandre de Moraes, não tenha considerado essa possibilidade. Moraes, conhecido por sua postura firme e detalhista, tem conduzido as investigações sobre os atos antidemocráticos com mão de ferro, acumulando decisões que muitas vezes desafiam o establishment político. Contudo, ao optar por englobar Ramagem na ação penal, o tribunal pode ter subestimado a capacidade do PL de mobilizar a Câmara em defesa de suas prerrogativas. A Constituição, afinal, é clara: o poder de sustar ações penais é uma ferramenta legítima nas mãos do Legislativo, e o PL está jogando estritamente dentro das regras do jogo.
Se o pedido for aprovado, o impacto será profundo. Além de adiar o julgamento de Bolsonaro, a suspensão pode enfraquecer a narrativa de celeridade que o STF busca impor em casos de ameaça à democracia. Para Alexandre de Moraes, que tem sido o principal alvo das críticas da base bolsonarista, a situação representa um desafio adicional: como contornar uma prerrogativa constitucional sem abrir flancos para acusações de abuso de poder? Qualquer tentativa de “desviar” dessa sustação, como sugere o título, exigiria uma interpretação criativa — e potencialmente controversa — da Constituição, algo que o próprio Moraes já fez em outras ocasiões, mas que sempre gera desgaste político e jurídico.
Por outro lado, o PL enfrenta seu próprio risco. Conseguir 257 votos na Câmara não é tarefa trivial, especialmente em um cenário de fragmentação partidária e interesses divergentes. A oposição ao governo Lula, embora barulhenta, nem sempre se traduz em coesão nas votações. Além disso, a opinião pública, ainda sensível aos eventos de 8 de janeiro de 2023, pode interpretar a manobra como uma tentativa descarada de blindar acusados de crimes graves, o que poderia custar caro ao partido nas eleições municipais de outubro de 2026.
O imbróglio expõe, acima de tudo, a fragilidade do equilíbrio entre os poderes no Brasil. O STF, ao incluir um deputado em exercício na ação, deu ao Legislativo a chance de reafirmar sua autonomia. O PL, por sua vez, transforma uma garantia constitucional em arma política. E no meio disso tudo está Bolsonaro, que, mesmo fora do Planalto, continua a influenciar o jogo. Se o pedido de sustação vingar, será uma vitória temporária para o ex-presidente e uma lição para o STF: no xadrez da democracia brasileira, até os movimentos mais calculados podem levar a um inesperado xeque-mate.